Alguma física do andar
Velocidade
do andar
O ato de andar (de um bípede, como uma
pessoa, por exemplo) pode parecer bastante complicado se o analisamos de um
referencial fixo ao solo: as pernas vão sempre para a frente, com velocidade
variável; durante algum tempo o pé se desloca, com velocidade mais alta que a
média da velocidade da pessoa e, ao tocar o solo, para; quando o pé está parado
em relação ao solo, a perna faz um movimento para a frente, como que rodando em
torno dele; além disso tudo, as pernas se dobram ligeiramente quando andamos
Parece, então, que o andar é um movimento bastante complicado para se analisar
fisicamente. Entretanto...
Às vezes, olhar um mesmo problema físico de um outro
ponto de vista pode facilitar o seu entendimento. Por exemplo, o ato de andar
pode ser descrito fisicamente de forma muito simples se analisamos movimento de
um referencial que se move com a mesma velocidade de quem anda. Neste caso
vemos o corpo parado e as pernas oscilando para frente e para trás, alternadamente.
Outra tática usualmente adotada em física é procurar o
que um problema tem de mais essencial para simplificá-lo, deixando os detalhes
complicadores para depois. Assim, podemos ignorar o fato da perna se dobrar um
pouco a cada passo e considerá-la como um pêndulo. Mais ainda, podemos
considerar a perna com um pêndulo simples, como se houvesse uma massa pendurada
na ponta de um fio bem leve.
Olhando então o movimento do andar de um referencial
que se desloca com a pessoa, vemos o seu corpo parado e ar pernas pendulando
livremente. Podemos concluir, então, que a forma mais confortável de andar é
aquela em que as pernas, olhada desse referencial que se desloca com a pessoa,
oscilam com suas freqüências próprias, pois assim não se gasta energia para
acelerá-las ou freá-las.
Se aproximarmos uma perna humana por um pêndulo
simples[1], de
comprimento l, vemos que, em um andar
confortável, elas oscilam com período de
. (1)
A
velocidade do andar pode ser calculada considerando então o tamanho de um
passo. Se a abertura da perna for da ordem de 30º, o tamanho de um passo será
de aproximadamente l/2. Como em um
período completo de oscilação damos dois passos, a velocidade confortável de
andar é de aproximadamente
. (2)
Para
um adulto, o comprimento da perna é da ordem de 1 m. Assim, a velocidade
confortável de andar é da ordem de 1,0 m/s, ou 3,6 km/h, velocidades
bem típicas para seres humanos.
Adultos,
crianças e ... outros animais
Um aspecto interessante da equação 2 é
que a velocidade do andar confortável depende da raiz quadrada do comprimento
da perna. Isso pode explicar porque adultos e crianças, cuja relação de tamanho
é da ordem de 2, podem andar lado-a-lado sem grandes esforços: a relação entre
as velocidades confortáveis do andar é de e, portanto, basta que
o adulto encurte seus passos de uns 15% ou 20% e a criança aumente seus passos também de
uns 15% ou 20% para que ambos consigam andar confortavelmente.
O modelo do andar com pernas oscilantes
não deve ser bom para todos os animais, especialmente para aqueles muito
pequenos, pois o atrito com o ar e o atrito interno podem não ser desprezíveis.
Os mecanismos de “grudar” os pés onde anda (para andar de ponta-cabeça, como no
caso de uma formiga no teto) também podem mudar muito a situação. Mas o modelo
deve valer para animais pequenos como um cachorro ou um gato e grandes como uma
girafa ou um elefante. Assim, embora esses grandes animais possam ter pernas
dez vezes maiores que os pequenos, suas velocidades naturais de andar mantém
uma relação de velocidades de aproximadamente 3 para 1. Se você tiver dúvidas,
uma ida ao zoológico pode esclarecer.
Física
interplanetária
Um outro aspecto interessante da equação (2) é a
dependência da velocidade do andar com a aceleração da gravidade, : um mesmo animal anda mais rápido em um planeta onde a
aceleração gravitacional é maior e mais devagar onde ela é menor. Talvez isso
explique porque astronautas “andando” na Lua acabavam, na verdade, por correr:
desabituado com a nova realidade gravitacional, o cérebro de uma pessoa na Lua
quer atingir um determinado ponto no mesmo tempo que ele o atingiria se
estivesse na Terra; quer também que sua perna vá para frente tão rapidamente
quanto estava acostumado aqui na Terra. Como conseqüência, acaba, na verdade,
“correndo”, ou seja, levantava o pé que estava atrás antes do pé da frente
tocar o solo.
Assim como a capa do super-herói balança quando ele
viaja entre as estrelas, apesar da ausência de ar, presumo que os viajantes
interplanetários dos filmes de fantasia caminhem nos diferentes planetas com
velocidades independentes das acelerações gravitacionais locais.
Quer andar
mais rápido? Amarre as pernas.
O título acima é meio paradoxal, mas é
isso mesmo. Se você quiser andar de forma confortável – sem fazer esforços para
acelerar e parar a perna a cada passo, como fazemos normalmente para andar
rápido – amarre as pernas. Mas, amarre com elásticos.
A freqüência natural de oscilação de um
pêndulo depende da força de restauração que o puxa para o ponto de equilíbrio,
o ponto mais baixo, quando ele é deslocado. Assim, se aumentarmos essa força de
restauração, que é apenas a força gravitacional em um situação usual, podemos
aumentar a freqüência natural de um pêndulo. Para aumentar a força de
restauração basta ligar os dois pés com um elástico ou uma mola. Por exemplo,
se os dois pés são ligados por um elástico que provoque uma força de
restauração igual a k×x,
onde x é a distância entre os dois
pés, então a freqüência natural de oscilação (continuamos considerando as
pernas como pêndulos simples) será
, (3)
onde
m é a massa da perna. (A dedução
dessa expressão está feita na próxima seção. Ela é um pouco elaborada e depende
de alguma familiaridade com as técnicas de cálculo estudadas nos primeiros anos
dos cursos de física, matemática ou engenharia.)
Se o tamanho do passo não é alterado, então
a velocidade do andar confortável, aquele em que as pernas oscilam
naturalmente, é
. (4)
Como
k é um número positivo, então essa
velocidade confortável de andar – com as pernas amarradas – é maior do que
aquela da equação 2.
Dedução da
equação 3
Considere inicialmente um pêndulo
simples, uma massa m pendurada em um
fio de comprimento l (veja a figura
abaixo). Se esse pêndulo é deslocado da posição de equilíbrio, então surge uma
força que o empurra de volta para aquela posição. Essa força é dada pela
componente da força peso, mg, ao
longo de uma direção perpendicular à direção do pêndulo, ou seja, mg×sen(q). Se o ângulo q é pequeno (o que corresponde a pequenas oscilações em
torno da posição de equilíbrio), podemos aproximar sen(q) por q. Assim, a segunda lei de Newton para o pêndulo fica
, (5)
onde
y é aquele eixo “torto” da figura,
perpendicular à direção do pêndulo, e o sinal menos é porque a força é na
direção oposta a y. Mas se q é pequeno, podemos aproximar y por lq. Assim, a equação (5) fica
. (6)
A
solução dessa equação é
, (7)
onde
A é a amplitude de oscilação,
(8)
e é um ângulo que
depende da situação em t=0. Mas o que
importa para saber com que freqüência o pêndulo oscilará é apenas o valor de w e não precisamos nos ocupar com A e .
Considere agora dois pêndulos simples de comprimento l e massas m, como mostrado na figura abaixo, presos um ao outro por uma mola
cuja força de restauração é proporcional à distância entre os dois pêndulos, (x1-x2), onde x1 e x2 são, respectivamente as posições dos pêndulos 1 e 2
da figura. As equações da dinâmica (2ª. lei de Newton) desses pêndulos são
, (9)
onde,
novamente, aproximamos (lembre que os ângulos de abertura são pequenos) x1=lq1 e x2=lq2.
A
equação (6) era mais simples. Agora a situação complicou, pois precisamos achar
as soluções para q1 e q2 em função do tempo e essas duas variáveis aparecem
nas duas equações. O nome técnico disso é: equações diferenciais acopladas.
Para resolver essas equações há um truque em dois passos: primeiro, somamos e
subtraímos as duas equações acima. Fazendo isso ficamos com
. (10)
Agora,
segundo passo do truque, vamos chamar de X e de Y. Com esses novos nomes as equações
acima ficam
. (11)
Cada
uma dessas equações tem a “cara” da equação (6). Portanto, as soluções são
, (12)
onde
e . Mas o que queremos é e e não X e Y.
Como e , então e . Usando X e Y das equações (12) temos,
. (13)
O problema inicial era descobrir como andar com as
pernas amarradas por um elástico ou uma mola. Será que fomos longe demais com a
matemática e perdemos nosso foco? Não, apenas precisamos interpretar essas duas
equações acima. Um movimento geral das duas pernas é descrito pelas equações (13),
escolhendo adequadamente B1,
B2, f1 e f2 de acordo com algumas condições do problema, por
exemplo, as condições de posição e velocidade dos dois pêndulos em t=0. Entretanto, não queremos exatamente
uma solução geral. O que queremos é descobrir valores de B1 e B2
que nos permita andar com nossas próprias pernas Quando andamos, as duas pernas
oscilam fora de fase, ou seja, uma vai para frente e outra para trás. Assim, os
termos em B1 não nos
importam, pois eles correspondem a um balançar das duas pernas em fase: ambas
vão juntas para frente e para trás. A solução que serve para andar é aquela que
depende de B2:
, (14)
onde
B2 é o tamanho de um
passo. Portanto, o modo normal de andar têm uma freqüência angular e a freqüência dada
pela equação (3).
[1] Uma aproximação melhor seria considerar a perna um
pêndulo físico uniforme, o que mudaria o período por um fator .