Saltos

 

 

         Tanto no salto em altura, com ou sem vara, e no salto a distância, a estratégia do atleta é correr, para acumular alguma energia cinética e transformar esta energia em energia potencial gravitacional. No salto em distância a estratégia é conseguir lançar-se com a maior velocidade possível e formando um ângulo com a horizontal o mais próximo possível de 45º. A partir de algumas informações básicas, podemos fazer estimativas dos desempenhos nesses tipos de salto.

 

 

Salto com vara

 

         A modalidade de salto mais simples de analisar do ponto de vista físico é o salto em altura com vara. Nessa atividade, o atleta, após correr cerca de 15 m (bonequinho A da figura 1), apóia a vara no solo e começa a envergá-la (bonequinho B), percorrendo ainda mais alguns metros. Assim, sua energia cinética é transformada em energia potencial elástica da vara. Em seguida, estando a vara encurvada ao máximo, o atleta se apóia sobre ela, que o lança verticalmente para cima (bonequinho C).

 

 

         Após correr cerca de 15 m, o atleta atinge uma velocidade de aproximadamente de 10m/s (veja texto “Cem metros rasos”). Se toda a energia cinética for transformada em energia potencial da vara e, em seguida, em energia potencial gravitacional do atleta, podemos igualar a energia cinética inicial com a energia potencial gravitacional quando o atleta atinge o ponto mais alto,

 

   ,   (1)

 

onde g é a aceleração da gravidade, m a massa do atleta e h a altura máxima que chegará seu centro de massa. Portanto,

 

   .         (2)

 

Substituindo os valores de v e g (aproximado para 10 m/s2), obtemos h=5 m. Como o centro de massa do atleta antes de iniciar o salta estava a cerca de 1 m do solo, a altura máxima que seu centro de massa atingirá é de cerca de 6 m.

Os recordes são da ordem de 5 m para mulheres e 6 m para homens, o que mostra que as estimativas não estão nada mal.

 

 

Outros tipos de saltos

 

         Os recorde para saltos em altura são da ordem de 2,4 m para homens e 2,0 m para mulheres, valores bem diferentes dos recordes para salto com vara, indicando que o atleta não consegue transformar toda a energia cinética acumulada em energia potencial.

Para saltos em extensão os recordes são de 9 m e 7,5 m, respectivamente para homens e mulheres.

Vamos, a seguir, construir um modelo que tente explicar esses dois tipos de salto.

 

 

         O modelo tem dois ingredientes. O primeiro ingrediente terá como base a análise de um salto na vertical sem ser antecedido de uma corrida (veja fig. 2). Neste caso, a pessoa abaixa seu corpo e o impulsiona para cima. Com que velocidade ela sairá do solo? Vamos supor que a pessoa abaixe o centro de massa do corpo de aproximadamente 0,5 m (lembre que na posição “em pé”, o centro de massa do corpo está a cerca de 1 m do solo). A partir desse momento a pessoa começa a elevar seu corpo com a máxima potência possível, que é de cerca de 1.500 W (veja o texto “Potência e desempenho atlético”). Ela continuará a dissipar essa potência até que seus pés desencostem do chão, momento a partir do qual não mais conseguirá fazer força. A energia mecânica produzida será usada para aumentar a velocidade vertical do corpo e elevar o seu centro de massa. Se isso durar um tempo t, a equação básica será

 

   ,   (3)

 

onde h é a altura que seu centro de massa subirá, da ordem de 0,5 m. Se no início a velocidade vertical do centro de massa era nula e quando saiu do solo era v, então podemos aproximar a velocidade média por v/2. Assim, a duração desse impulso pode ser aproximada por

 

   .   (4)

 

(Para evitar confusão com m de massa, escrevemos metro, por extenso.) Substituindo t acima na equação 3 temos

 

  .  (5)

 

A massa de um atleta é da ordem de 80 kg. Aproximando g por 10 m/s2 e usando h=0,5 m, só resta um incógnita: v, a velocidade de decolagem do atleta. A solução é v=2,5 m/s.

         Que altura uma pessoa atingirá a partir de uma posição parada? Se ela decola com velocidade da ordem de 2,5 m/s, seu centro de massa subirá uma distância d dada por

 

   ,     (6)

 

ou seja, aproximadamente 0,3 m. Se quiser, verifique esse resultado: primeiro faça uma marca numa parede esticando o braço para cima o máximo que conseguir. Em seguida, salte a faça uma nova marca na parede e meça a distância entre ambas.

 

 

Saltos em distância e altura

 

         Então, concluímos que um atleta consegue uma velocidade vertical da ordem de 2,5 m/s a partir de uma posição parada. Mas, além disso, nos saltos em altura e distância, antes de saltar ele está correndo rapidamente. Como essa corrida o ajudará no salto? Este será o segundo ingrediente do modelo.

         Vamos considerar uma pessoa correndo e que, em certo momento, muda a direção de sua corrida, de horizontal para uma nova velocidade que tenha uma componente vertical, sem fazer nenhum trabalho extra, apenas usando a interação com o solo, como em um choque simples. Quanto de sua velocidade inicial ela perderá? Provavelmente, um estudo detalhado da elasticidade do corpo humano permitirá responder essa pergunta. Na impossibilidade de fazer esse estudo, vamos simplificar. Se a mudança de direção for nula, ou seja, ela continuar correndo horizontalmente, obviamente não perderá velocidade alguma; se a mudança de direção for de 90º, ou seja, passar de uma direção horizontal para uma total mente vertical, a perda deve ser muito grande: vamos supor que seja total. Para simplificar ainda mais, vamos supor que a variação seja linear com o ângulo de desvio em relação à horizontal:

 

   ,   (7)

 

onde q é o ângulo de desvio em relação à direção horizontal e v a velocidade no instante imediatamente anterior àquele que a pessoa muda a direção de sua velocidade.

         Agora vamos juntar os dois ingredientes. Uma pessoa está correndo e, num determinado instante, muda a direção de sua corrida, adquirindo uma componente vertical de velocidade. Imediatamente, com um esforço adicional, consegue impulsionar-se para cima, ganhando uma velocidade adicional de 2,5 m/s (como no salto parado). Sua velocidade terá então componentes horizontal e vertical dadas por

 

    .   (8)

 

O problema dos atletas é então escolher um ângulo q adequado para a sua modalidade de salto.

 

 

         Salto em altura

 

Para o salto em altura, deve-se simplesmente escolher um ângulo de desvio que torne vv máximo, pois isso elevará, também ao máximo, seu centro de massa. Se o atleta continuar correndo horizontalmente (q=0), sua velocidade vertical será de apenas 2,5 m/s; se tentar alterar de 90º a direção da velocidade inicial, esta será totalmente perdida (veja eq. 7) e ele também terá apenas uma velocidade de 2,5 m/s. Assim, precisamos achar o melhor ângulo de desvio e considerar que a velocidade v que aparece nas equações 8a e 8b é da ordem de 10 m/s, que é a velocidade típica de um atleta após uma breve corrida (veja o texto “Cem metros rasos”).

Se você graficar vv em função de q verá que o valor máximo será obtido com q=41º.Neste caso, sua velocidade vertical será de 6,1 m/s, a soma algébrica dos 2,5 m/s conseguidos pelo impulso vertical, como no salto parado, com 3,6 m/s conseguido a partir do desvio de sua corrida inicial. Sua velocidade horizontal será de 4,1 m/s. A figura 3 mostra o diagrama das velocidades do atleta no instante que inicia o salto. Note que o ângulo final entre sua velocidade será superior aos 41º do ângulo de desvio por causa da velocidade vertical de 2,5 m/s adquirida pelo impulso adicional.

 

 

         Pelo modelo, o atleta “decola” formando um ângulo de 56º com a horizontal. (Observações indicam que esse ângulo é, na prática, da ordem de 60º.)

         Saindo do solo com uma velocidade vertical de 6,1 m/s o centro de massa do atleta subirá cerca de 1,9 m. Como esse centro de massa está a cerca de 1 m do solo, a altura máximo do salto será da ordem de 2,9 m, um pouco acima do que se observa, 2,4 m para homens e 2,0 m para mulheres.

 

 

Salto em distância

 

Para o salto em distância o atleta deve escolher um ângulo de desvio de forma a maximizar o alcance. Se ele sair do solo com uma velocidade vertical dada pela equação 8b, o tempo que seu centro de massa ficará a uma altura superior àquela que estava no instante do salto é dado por

 

   .   (9)

 

Portanto, a distância horizontal percorrida pelo centro de massa do atleta até que este c.m. atinja volte à altura inicial é de

 

   .   (10)

 

Fazendo um gráfico de l em função de q vemos que l será máximo e igual a 7,6 m para um desvio em relação à horizontal de q=18º.

A figura 4 mostra a trajetória do centro de massa do atleta desde o instante que tira seu pé do chão até o instante que seu centro de massa tem altura final igual a que tinha no momento de decolagem. Entre esses dois instantes o centro de massa percorrerá uma distância horizontal de cerca de l=7,6 m. Como o atleta tira o pé do chão quando seu centro de massa está um pouco adiante da linha inicial e volta a colocar o pé no chão o mais tarde possível, quando seu centro de massa está já bem próximo ao chão, podemos adicionar a l cerca de 1 m, o que levaria a um salto de alcance total de 8,6 m, bem próximo dos recordes, que são de 9 m e 7,5 m, respectivamente para homens e mulheres.

 

 

         A velocidade com que o centro de massa do atleta inicia sua trajetória parabólica é de 5,0 m/s na vertical (metade tendo origem no desvio de sua velocidade horizontal inicial e a outra metade no esforço extra que ele faz, como no salto parado) e 7,6m/s na horizontal.

         A figura 5 mostra as componentes da velocidade do atleta no momento de decolagem. O ângulo formado com a horizontal é de cerca de 33º. Observações indicam, entretanto, que esse ângulo, crucial para um bom desempenho é da ordem de 20º, mostrando uma limitação do modelo adotado.