Tsunamis

 

         Existe uma série de efeitos ondulatórios que podem ocorrer na superfície de um líquido, desde um prato de sopa cheio de água, até a superfície de todo um oceano. Alguns desses efeitos são bastante comuns – como as ondas típicas das praias – outros são mais raros – como as pororocas. Alguns podem ser devastadores, como os tsunamis[1] de grandes proporções, outros interessantes e divertidos, como as ondas dos surfistas.

 

 

Oscilações

 

         E por que a superfície da água, em um prato de sopa ou no mar, oscila? Para que um sistema oscile deve haver dois ingredientes básicos: inércia e força de restauração. A inércia, ou seja, aquela propriedade que faz com que seja necessária uma força para alterar a velocidade de um objeto, é dada pela própria massa daquilo que oscile, no caso, a água.

A força de restauração empurra o sistema para o ponto de equilíbrio quando ele se desequilibra. No caso de uma superfície de água, pode ser dada pela tensão superficial da água ou pela atração gravitacional. No primeiro caso (tensão superficial) as ondas que se formam têm pequenos comprimentos de onda. Essas ondas são formadas por ventos fracos na superfície de um lago, por exemplo, ou por vibrações mecânicas, como quando deixamos uma vasilha com água próxima a um liquidificador em funcionamento. Tanto em um caso como noutro, a superfície da água parece ficar rugosa.

Quando a força de restauração é dada pela atração gravitacional - o próprio peso da água - podem ser formadas ondas, como as que vemos nas praias, nas pororocas[2] (macaréus), nos tsunamis, entre outras possibilidades.

 

O tsunami do Golfo de Bengala

 

         Um tsunami pode ser criado por um terremoto que provoque deslocamentos verticais do fundo do mar; esses deslocamentos verticais provocarão deslocamentos, também verticais, da superfície do mar. Explosões de vulcões, desabamento de montanhas ou queda de meteoritos também podem provocar tsunamis.

         Uma característica importante dos tsunamis é que eles perdem pouca energia na medida em que se propagam (a taxa de perda de energia é inversamente proporcional ao comprimento de onda e os comprimentos de onda dos tsunamis são, em geral, bastante grandes).

         O desenho abaixo representa, aproximadamente, a região onde ocorreu o recente tsunami que assolou alguns países do Oceano Índico, provocado por um terremoto. O círculo preenchido marca, aproximadamente, o epicentro do terremoto.

 

 

 

 

Embora o círculo escuro da figura mostre o epicentro do principal terremoto, de magnitude 8,9, ocorrido a cerca de 300 km a oeste da ilha de Sumatra, vários outros terremotos de menor magnitude ocorreram em seguida, sendo a extensão total da ruptura das placas tectônicas da ordem de 1000 km, aproximadamente na direção norte-sul. O surgimento do tsunami se deu em volta dessa grande fissura de rochas.

As elipses da figura 2 ilustram o tsunami e as setas indicam sua direção de propagação. A linha grossa e tracejada indica, aproximadamente, a origem do tsunami.

 

 

 

 

Velocidade de um Tsunami

 

A velocidade com que uma onda se propaga na superfície da água depende de algumas características do sistema. No caso de um tsunami, formado por perturbações cujos comprimentos de onda são bem maiores que a profundidade do mar em que ele se propaga, a velocidade é dada por

 

   ,

 

onde g é a aceleração da gravidade na superfície, 9,8 m/s2, e h a profundidade da água[3]. (Esta equação é válida para uma onda se propagando ao longo de uma direção, em um recipiente retangular; entretanto, pode ser usada, pelo menos como uma aproximação, para recipientes com outras formas. A dedução desta expressão está no Apêndice.) Por exemplo, na região onde se propagou o recente tsunami que se originou após o terremoto da costa de Sumatra, a profundidade do mar varia entre cerca de 1000 m a 2000 m no Golfo de Bengala, a cerca de 4000 m, ao sul do Sri Lanka. Assim, a velocidade do tsunami variou entre 100 m/s nas regiões mais rasas e 200 m/s, nas regiões mais profundas.

Entre as ilhas de Sumatra e a costa da Tailândia, a profundidade média do mar é um pouco menor e, portanto, a velocidade de propagação também é um pouco menor.

O tsunami atingiu o Sri Lanka, afastado cerca de 1000 km da origem, cerca de 100 minutos após sua formação. A costa leste da Índia foi atingida cerca de 10 minutos depois. A costa da Tailândia, embora mais próxima da origem do Tsunami, foi atingida também cerca de 100 minutos após sua formação, pois na região atravessada pelo tsunami a profundidade do mar é, em média, menor do que nos casos anteriores e, portanto, sua velocidade também é menor.

         O fato que a velocidade de um tasunami depende da raiz quadrada da profundidade do meio em que ele se propaga é fundamental para entender o seu grande poder destruidor. Isso é discutido mais abaixo.

 

Intensidade da onda

 

         É bastante difícil detectar um tsunami no mar, pois sua altura (amplitude) pode ser muito pequena, eventualmente alguns poucos centímetros (o recente tsunami deve ter apresentado uma amplitude de cerca de meio metro enquanto se propagava em alto mar). Mesmo tsunamis realmente pequenos quando em alto mar, da ordem de alguns poucos centímetros, podem provocar grandes danos quando atingem a costa.

         Alguém que esteja em um barco em alto mar, ou mesmo a algumas centenas de metros da costa, pode simplesmente não perceber a passagem de um tsunami. A extensão de um tsunami pode ser da ordem de dezenas ou mesmo centenas de quilômetros. A uma velocidade da ordem de centenas de metros por segundo ele pode demorar muitos minutos para passar. E nesse tempo um barco subirá e descerá uma altura correspondente a amplitude do tsunami; impossível, portanto, perceber sua presença. É esse fato que torna difícil a detecção de tsunamis antes que eles cheguem próximo à costa. Há relatos de pessoas em embarcações que não perceberam nada de anormal, mas que, quando olhavam para a costa, viam a água invadindo-a.

         Se  um tsunami pode ser pouco intenso quando em alto mar, o que ocorre, então, que o faz tão destrutivo?

 

 

O tsunami cresce ao chegar próximo ao litoral

 

         Note que a velocidade de um tsunami depende da raiz quadrada da profundidade da água. Assim, se em alto mar sua velocidade é da ordem de 200 m/s, ao chegar à costa, em uma praia, por exemplo, onde a profundidade é da ordem de alguns poucos metros, digamos, 5 metros, a velocidade é reduzida para . Na medida em que a parte frontal da onda vai reduzindo sua velocidade, por atingir mais cedo regiões menos profundas do mar, a parte traseira da onda, por se propagar ainda em regiões mais profundas, anda mais depressa, fazendo com que a água vá se acumulando e sua amplitude vá aumentando. Por exemplo, inicialmente com uma velocidade de cerca de 200 m/s e reduzindo-a para cerca de 7 m/s, podemos estimar um aumento de amplitude em cerca de 30 vezes (200/7). Se em alto mar sua amplitude era de 0,5 m, ao atingir o litoral essa amplitude pode chegar a cerca de 15 m!

 

         Há, felizmente, em efeito que faz com que a amplitude do tsunami decresça na medida em que ele se propaga, afastando-se da região de formação, uma vez que ele se espalha por uma área cada vez maior. Assim, podemos estimar que, além de aumentar sua amplitude na medida em que atinge águas mais rasas, esta é reduzida por um fator proporcional ao inverso da distância percorrida desde sua origem. Assim, o efeito de um tsunami tende a ser tão menor quanto maior for a distância entre sua origem e o ponto atingido.

 

 

Refração

 

 

         Embora o recente tsunami tenha se originado no Golfo de Bengala, ao passar pelo Sri Lanka e pelo sul a Índia, ele sofreu refração (uma vez que a profundidade do mar varia e a onda muda de meio; ainda que de forma contínua, ela sofre refração) e acabou por atingir a costa oeste da Índia. A figura 4 ilustra essa mudança de velocidade do tsunami e a conseqüente refração. As linhas grossas correspondem, aproximadamente, à frente de onda nos instantes (em minutos) após seu início. Cerca de 5 horas após o início, o tsunami atingiu a costa oeste da Índia.

 

 

         Na medida em que a onda se propaga, ela reduz sua amplitude, como discutido acima. Assim, ao chegar à costa oeste da Índia, sua intensidade já estava bem reduzida quando comparada com a situação no Sri Lanka, na Tailândia ou, especialmente, na Indonésia.

         Em relação à figura 4, as flechas desenhadas em uma das frentes de onda do tsunami são tão maiores quanto maiores são as velocidades. Isso faz com que as ondas façam “curvas”, mudando a direção de propagação, ou seja, sofrendo refração.

 

 

 

 

Apêndice

 

         A dedução de equações de onda pode ser relativamente difícil, especialmente quando se trata de ondas em fluídos, que não apresentam algumas propriedades simplificadoras como, por exemplo, as apresentadas por cordas esticadas.

         Para driblar algumas dificuldades, vamos deduzir a equação de onda de um tsunami em uma situação simplificada. As aproximações serão as seguintes: a força de restauração que depende da tensão superficial, desprezível no caso de ondas de longo comprimento de onda, como os tsunamis, não será considerada; o comprimento de onda ou a extensão do pacote de onda será considerado muito maior que a profundidade da camada de água, situação também típica de tsunamis, cuja extensão do pacote de ondas pode ser de centenas de quilômetros e a profundidade do oceano de cerca de 5 km; a amplitude da onda também será considerada pequena quando comparada com a profundidade. Outra simplificação diz respeito à forma do meio em que a onda se propaga; no caso, usaremos uma onda se propagando ao longo de uma caixa de base retangular e paredes verticais, como uma caixa de sapatos.

         A figura A1 ilustra a situação. A direção de propagação da onda é x; h é a altura do nível da água; L é a largura da caixa.


 


 

         A figura A2 mostra a mesma caixa em uma visão lateral. Uma “fatia” de água, de espessura ∆x, que tinha a altura h em x, no instante t, terá uma altura h+w, e uma espessura ∆x+∆z quando ocupar a posição x+z no instante t+∆t. Na medida em que a onda se propaga, essa porção de água oscilará para a direita e para a esquerda.

         Como o volume se conserva, então

 

   .                           (A1)

 

Se considerarmos que w<<h e ∆z<<∆x, então a equação A1 leva a

 

                                                                                    (A2)

 

ou

 

                                                                                          (A3)

 

Esta é a equação de conservação de massa do fluido.

         Para aplicar a segunda lei de Newton para aquela porção considerada do fluido precisamos calcular a força total sobre ela, a qual depende da diferença de pressão média nos seus lados opostos:

 

                                                  (A4)

 

Portanto,

 

                                                     (A5)

 

         Como

 

           ,                                                                        (A6)

 

então

 

  .                                                                          (A7)

 

Substituindo este resultado na equação (A5), obtemos

 

 .                                                                          (A8)

 

Usando a equação A3 temos, após derivar ambos os lados em relação a x,

 

  .                                                                         (A9)

 

Finalmente, substituindo esta última equação na equação (A8), obtemos a equação de onda

 

   .                                                                        (A10)

 

Como qualquer equação de onda como esta, a solução é uma função qualquer de x-vt ou x+vt, desde que a velocidade seja dada por .



[1] Tsunami é uma palavra de origem japonesa e quer dizer “onda de porto”.

[2] Pororoca, o nome pelo qual o macaréu do rio Amazonas é chamado, é uma “onda solitária”, muitas vezes chamada de sóliton. Ela se propaga de uma forma muito curiosa, sem se dissipar ou se dissipando muito lentamente. Por isso, macaréus podem subir grandes distâncias em um rio, continente adentro. Para que seja formado um macaréu são necessárias algumas condições favoráveis e relativamente raras; nem todos os rios apresentam macaréus.

[3] Uma equação mais geral para a velocidade de uma onda em uma superfície de água é dada por , onde l é o comprimento de onda, r a densidade da água e s a tensão superficial. O primeiro termo dentro do parênteses corresponde a ondas de origem gravitacional e o segundo termo a ondas com origem na tensão superficial da água. Se l>>h essa equação é simplificada para a equação do texto principal, .