Túneis na Terra

 

 

Japão: ida e volta em 80 minutos

 

         O texto “A volta ao Mundo em 80 minutos” sugere uma maneira bem rápida de irmos daqui ao outro lado do Mundo: usar satélites. Infelizmente, isso é inviável, pois o consumo de combustível e o custo da viagem seriam muito altos. Mas há outra forma igualmente rápida de viajarmos de um ponto a outro da superfície do planeta e, ainda melhor, sem consumo de combustível.

         A figura abaixo ilustra isso. Se fizermos um túnel de um lado a outro do planeta, poderíamos simplesmente entrar nele e esperar que a força gravitacional fizesse seu trabalho. A força gravitacional nos puxaria para baixo até chegarmos ao centro da Terra. Nesta primeira parte da viagem, a velocidade aumentaria. A partir do centro da Terra, a força gravitacional nos puxaria de volta, fazendo com que perdêssemos velocidade paulatinamente, de tal forma que chegaríamos ao lado oposto do planeta com velocidade nula.

 

 

 

         Quando um viajante entrar nesse túnel, ele começará a “cair” em direção ao centro da Terra com uma aceleração de 9,8 m/s2. Na medida em que o viajante vai se aproximando do centro da Terra, sua aceleração vai diminuindo, pois a resultante de todas as forças que agem sobre ele é igual à força aplicada se apenas a parte interna da Terra o atraísse. Veja a figura 2.

 

 

         Para descrever o movimento do viajante, precisamos saber como a força que age sobre ele varia ao longo do percurso.

 

 

Força gravitacional dentro da Terra

 

         Um objeto no interior da Terra está sujeito a uma força gravitacional igual àquela que seria provocada se toda a massa contida em uma esfera com centro no centro da Terra e raio igual à distância entre o objeto e o centro da Terra estivesse concentrada no próprio centro da Terra. Veja a figura 3.

         A massa dessa esfera é igual à

 

   ,   (1)

 

onde r é a densidade da Terra, que vamos supor uniforme. Assim, a força gravitacional, que cai com o quadrado da distância, r2, é dada por

 

   ,   (2)

 

onde o fator a precisa ser determinado. Como sabemos a aceleração gravitacional na superfície da Terra, g0=9,8 m/s2, que corresponde a r igual ao raio da Terra, rT, temos

 

   .   (3)

 

Então,

 

   .   (4)

 

Usando este resultado na equação (2), temos

 

   .   (5)

 

Como sabemos o raio da Terra, rT=6.400 km, podemos conhecer a aceleração em qualquer ponto em seu interior, g(r).

 

Figura 3 – A força que age sobre uma massa no interior da Terra é igual àquela que agiria se toda a massa de uma esfera interna (em cinza escuro) estivesse concentrada no centra da Terra. A força resultante provocada pela casca esférica externa (cinza claro) é nula.

 

 

         A equação (5) fornece a aceleração gravitacional para qualquer ponto no interior da Terra. Assim, a força que atua sobre um viajante dentro do túnel é F=m´g(r). Note que essa força é tão maior quanto mais distante o viajante está do centro da Terra. Ela é dirigida sempre para o centro da Terra e, portanto, acelera o viajante até ele atingir o centro e, a partir daí, o desacelera.

         Para saber quanto tempo duraria a viagem de um lado a outro do planeta, precisamos saber o efeito de uma força que é tão mais intensa quanto maior for a distância em relação a um determinado ponto. Para isso, vamos estudar o comportamento de uma massa fixa a uma mola, o oscilador harmônico.

 

 

Movimento harmônico simples

 

         Uma mola na relaxada, não exerce força alguma. Entretanto, quando ela é esticada ou comprimida, ela exerce uma força que é proporcional a sua deformação. Essa força é sempre dirigida no sentido de voltar à posição relaxada. Vamos chamar de x essa deformação. Assim, uma massa m presa a uma mola sofre uma força que é nula em uma posição de equilíbrio e igual a

 

   (6)

 

quando a massa está deslocada daquela posição de equilíbrio por uma distância x. A constante K é chamada de constante elástica da mola. O sinal de menos na equação (6) é para deixar claro que a força é no sentido oposto ao da deformação da mola.

Esse tipo de força, que aumenta em intensidade na medida em que o objeto é deslocado de uma posição de equilíbrio, tem uma propriedade muito interessante. Se, inicialmente, deslocamos o objeto de uma distância muito grande e o soltamos, ele deverá percorrer uma grande distância até chegar à posição de equilíbrio. Entretanto, neste caso, o objeto será puxado com uma força muito intensa. Se deslocamos pouco, então o objeto será puxado por uma força menos intensa mas, em compensação, deverá percorrer uma distância menor até chegar à posição de equilíbrio. Assim, puxemos muito ou pouco, o objeto demorará sempre o mesmo tempo para voltar à posição de equilíbrio. O tempo total para o corpo voltar à posição de equilíbrio, continuar seu movimento até parar, voltar novamente à posição de equilíbrio e continuar até a posição inicial é sempre o mesmo. Esse tempo de ir e voltar é o perído de oscilação.

Sob a ação dessa força, a massa oscila com um período dado por

 

   .   (7)

 

Para ver a dedução deste resultado, leia o texto “Uma Força muito Interessante”.

 

 

         Note que essa situação do oscilador harmônico simples, uma massa presa a uma mola, é similar ao que acontece com alguém dentro de um túnel que atravessa a Terra. Neste último caso a força é obtida da equação (5),

 

   ,   (8)

 

onde r é a distância entre o viajante e a posição de equilíbrio, o centro da Terra. A relação mg0/rT faz o mesmo papel que K na equação (6) e r o mesmo papel que x. A única diferença é o sinal negativo da equação (6): ele foi colocado para deixar claro que a força é no sentido oposto ao do deslocamento; neste caso, a força é no sentido do centro da Terra e, portanto, no sentido oposto ao deslocamento em relação àquele ponto.

O período de oscilação de um objeto (ou um viajante) no túnel é dado por

 

   .   (9)

 

Concluímos, então, que uma pessoa que entre em um túnel que atravessa a Terra “cairá” até seu centro, “subirá” até o outro lado e voltará à posição inicial em 85 minutos. Ou ainda, irá de um lado a outro da Terra em pouco mais do que 40 minutos. Essa é uma forma rápida e barata, pois não consome combustível, de ir até o Japão: o difícil é apenas construir o túnel.

 

 

Outros túneis

 

         Usar um túnel que atravesse a Terra de lado a lado é uma boa forma de viajar. Mas, mais interessante ainda, o túnel não precisa passar pelo centro da Terra. Um túnel que ligue dois pontos de sua superfície também oferece uma boa maneira de se deslocar pela Terra.

         A figura 5 mostra um túnel ligando dois pontos na superfície da Terra. A força indicada é a mesma que apareceu anteriormente,

 

   .   (10)

 

 

Entretanto, neste caso interessa apenas a componente da força ao longo da direção do túnel:

 

   .   (11)

 

Mas r´cos(q) é a distância entre o viajante e o centro do percurso que ele fará ao longo do túnel, que vamos chamar de -x, onde o sinal de menos é para deixar explícito que a força é no sentido oposto ao deslocamento medido em relação ao centro do percurso. Assim, temos

 

   .   (12)

 

Esta é um expressão para a força semelhante à equação (6), com mg0/rT no lugar de K. Assim, usando a equação (7), vemos que a freqüência é dada por

 

   ,   (13)

 

dando os mesmo 85 minutos que obtivemos quando o túnel passava pelo centro da Terra.

         Aqui está, então, uma maneira rápida de viajar entre dois pontos da Terra. Basta construir um túnel, entrar nele com um veículo de rodas (patins, skate ou carrinho de rolimã também servem) e deslizar até o destino final. Ao iniciar o percurso, o viajante vai ganhando velocidade; depois de passar pelo meio do túnel, o viajante começa a perder velocidade até chegar ao destino, cerca de 42 minutos depois, quando estará parado. Além de rápido, desde que tenhamos um veículo sem atrito, não será preciso consumir combustível. Uma viagem rápida, barata e ecologicamente correta.