Potência e desempenho atlético

 

 

         O que limita o desempenho de um atleta?

 

         Um bom desempenho atlético depende de força, potência, resistência física, habilidade, destreza, firmeza, controle emocional e muscular, capacidade respiratória, resistência à dor...

         Mas, de tudo isso, vamos apenas discutir um dos aspectos: a capacidade de um atleta gerar energia a altas taxas, ou seja, sua potência.

 

 

         Força e potência

 

         A capacidade de um atleta fazer força é um aspecto importante em muitas atividades esportivas. Entretanto, a potência é também um fator limitante e o mais importante em muitas atividades.

         Um exemplo simples pode ilustrar a diferença entre potência e capacidade de fazer força. Vejamos. Qualquer um de nós consegue fazer uma força igual a seu peso, da ordem de 800 N. Um cavalo faria essa força muito facilmente. Então vamos usar um cavalo no exemplo abaixo e, para poupá-lo, vamos exigir que ele faça uma força de apenas 400 N. Presumo que qualquer pangaré mal-tratado consiga isso.

 

Figura 1

 

         Então vamos usar esse cavalo para fazer um veículo bem econômico. Primeiro, o colocamos em uma carroça que possa andar com atrito bem pequeno. (Veja a figura 1.) Se o cavalo tiver massa de 200kg, a carroça e o passageiro outros 200 kg, a massa total será de 400 kg. Se o cavalo conseguir imprimir uma força contra o chão de 400 N para trás, a aceleração do sistema cavalo-carroça-passageiro será de 1,0 m/s2. Partindo do repouso, o sistema adquirirá em 20 s uma velocidade de 20 m/s, ou seja, de 72 km por hora.

         Nesse instante, um sistema de correias levanta o cavalo do chão e a carroça, com o cavalo pendurado (veja figura 2), continuará andando até que o pequeno atrito reduza significativamente a velocidade. Quando isso acontecer, coloca-se novamente o cavalo já descansado no chão e ele tornará a acelerar a carroça, fazendo uma força de 400 N.

 

 

Figura 2

 

         Será que esse sistema funcionará? Afinal, fazer 400 N de força não parece coisa tão difícil para um cavalo. Mas...

         O que limita a possibilidade da carroça acima, não é a força que o cavalo estará fazendo, mas sim a potência que ele estará produzindo. A potência é o produto da força pela velocidade, que atingiria o valor de 400 N ×20 m/s=8.000 W. Além disso, ainda que o atrito mecânico possa ser pequeno, em velocidades altas a resistência do ar não á nada desprezível (veja o texto Cem metros rasos) e isso exige uma força adicional e, portanto, mais potência ainda. O gráfico da figura 3 mostra a potência mecânica dissipada pelo cavalo durante a aceleração do sistema (sem considerar atrito ou a resistência do ar); como qualquer mamífero de porte médio, como o Homem, para cada watt de potência mecânica implica em uma produção interna de energia da ordem de 4 W. Assim, nosso cavalo estaria produzindo internamente, em seu sistema metabólico, cerca de 32.000 W quando atingisse os 20 m/s. Isso é muito e mesmo um bom cavalo não conseguiria manter esse ritmo por um tempo longo e, conseqüentemente, nosso sistema de transporte econômico não funcionaria: e o que o limita não é a capacidade do cavalo fazer força, pois qualquer pangaré é capaz de fazer uma força de 400 N, mas sim a capacidade de produzir de potência.

 

 

Figura 3

 

 

         Outros animais: seres humanos

 

O gráfico da figura 4 mostra a potência mecânica conseguida por um atleta para atividades feitas com as pernas (correr, subir escadas, pedalar...). O gráfico foi construído a partir de diversas informações disponíveis na literatura especializada e na literatura esportiva e vale, com pequenas diferenças, para mulheres e homens. Atenção para a forma de ler a informação do gráfico: ele mostra a potência média em função da duração da atividade. Assim, para atividades que durem 10 s, a potência média é 1.500 W; para atividades que durem 1 minuto, a potência média é de ~600 W. Entretanto, um atleta que tenha dissipado 1500 W nos primeiros 10 s estaria extenuado e não conseguiria continuar até um minuto dissipando 600 W.

         Devemos considerar ainda que a taxa de consumo de energia pelo organismo é aproximadamente 4 vezes a potência mecânica. Assim, se um atleta permaneceu 1 minuto dissipando 600 W com atividades mecânicas externas, a produção total de energia é 600W×60s=36.000 J. E para produzir esses 36.000 J seu organismo deverá consumir 4×36.000 J=144.000 J.

         Para tempos curtos, da ordem de 10 s, a potência dissipada por um ou uma atleta pode atingir cerca de 1.500 W. Quando a duração da atividade é da ordem de 1 minuto, essa potência mecânica cai para cerca de 600 W. Para atividades mais longas a potência continua caindo, atingindo cerca de 400 W para atividades que duram algumas horas, como uma maratona (42 km e duração de pouco mais que 2 h) e cerca de 350 W para atividades mais longas, como pedalar 200 km (o que leva cerca de 5 h, mesmo para um bom atleta). Para atividades muito longas, que podem durar todo um dia, a potência máxima é da ordem de 300 W.

 

Figura 4

 

         Com esse gráfico em mãos podemos fazer algumas estimativas de recordes, olímpicos ou não.

 

 

         Subindo escadas

 

         Qual o menor tempo que um atleta demora para subir uma escada com um desnível total de 100 m? A questão aqui é a seguinte: se ele começar subindo “feito um louco”, ou seja, dissipando cerca de 1.500 W, em 10 s estará extenuado e nunca conseguirá chegar ao topo da escada. Se ele começar vagarosamente, ele poderá perder a prova para outro atleta que tenha escolhido uma velocidade de subida mais adequada. Assim, precisamos equacionar o problema. A equação básica é a seguinte:

 

   ,                                                                                  (1)

 

onde t é o tempo de duração da subida, g a aceleração gravitacional, h o desnível e P(t) a potência máxima que o atleta pode dissipar em um tempo t, dado pelo gráfico da figura 4. Invertendo essa equação temos

 

   .                                                                                       (2)

 

Assim, se fizermos uma gráfico t´t e na mesma figura o gráfico mgh/P(t)´t, usando P(t) da fig. 4 e supondo m=80 kg, o ponto de intersecção das duas curvas será a solução do problema. Essa solução aparece na figura 5: o melhor é subir a escada em cerca de 170 s ou, aproximadamente, 3 minutos.

 

Figura 5

 

 

 

         Corridas

 

 

         O gráfico 6 mostra a potência mecânica dissipada em corridas como função da velocidade. (Esse gráfico foi construído com base em artigos especializados.)

 

Figura 6

 

 

         A função graficada na figura 6 pode ser parametrizada como

 

            ,                                                                    (3)

 

onde a potência está em W se a velocidade estiver em m/s. (Esse modelo vale para velocidades não muito elevadas. Para corridas de 100 m, que duram cerca de 10 s, ver o texto “Cem metros rasos”.)

         Se um atleta deseja correr uma certa distância no menor tempo, ele deve manter durante a prova a maior potência que ele puder, desde que ele não se extenue antes do final da corrida. Por exemplo, em uma prova de 10.000 m, se o atleta sair correndo “feito louco”, digamos, produzindo uma energia mecânica de 500 W, em cerca de 2 minutos estará extenuado (veja figura 4) e nesse tempo terá percorrido apenas a metade do percurso total. Assim, ele ou ela deverá escolher uma taxa de produção de energia adequada à prova.

         A figura 7 abaixo (mostrada em duas partes, uma delas com a escala de tempo limitada para podermos analisar percursos curtos) foi construída da seguinte forma: usou-se a figura 4 para determinar, para cada tempo de duração da prova, a potência máxima dissipada; a partir dessa potência determinou-se, usando a equação 3 (ou a figura (6)) a velocidade. A distância máxima percorrida é o produto da velocidade pelo tempo.

 

 



Figura 7 (em duas partes)

 

         Assim, por exemplo, uma prova de 10.000 m pode ser concluída em pouco menos de 1.800 s. Os recorde são da ordem de 27 minutos para homens (1.600 s) e 31 minutos (1.800 s) para mulheres. Para maratona (42 km) o tempo é um pouco inferior a 8.000 s e os recorde são da ordem de 7.700 s para homens e 8.600 s para mulheres. Corridas de 400 m seriam completadas, usando o gráfico à direita na figura 7, em cerca de 40 s; os recordes são 47 s para mulheres e 43 s para homens.