Miragens

 

 

         Antes de tudo, vale lembrar que miragens não são ilusões ou alucinações: são imagens que realmente enxergamos, que outras pessoas também enxergarão e que podem ser registradas em máquinas fotográficas.

Algumas miragens são bastante comuns. Talvez para os freqüentadores de estradas asfaltadas a miragem mais comum seja a de um carro à frente como que refletida no chão por alguma coisa que poderia ser uma poça de água. O quadro abaixo ilustra essa miragem, muito comum em dias especialmente quentes e ensolarados.

Esse tipo de miragem, bastante explorada em histórias em quadrinhos, é a mesma que pode fazer com que alguém, num deserto, pense existir uma poça de água quando vê alguma coisa como que refletida no chão.

Como se formam essas miragens?

 

 

 

        A lei de Snell

 

 

         Quando um feixe de luz atravessa uma superfície que separa dois meios transparentes mas diferentes, como por exemplo ar e água, uma parte da luz é refletida e outra é refratada. A figura 1 ilustra isso. Um feixe de luz incide sobre uma superfície que separa dois meios diferentes. Parte da intensidade dessa luz incidente é refletida e parte passa para o outro meio: o feixe identificado como “luz refratada” na figura 1.

         Na figura 1 está desenhada uma linha tracejada, perpendicular à superfície que separa os dois meios. Ela serve para ajudar a explicação.

Uma primeira característica do processo de reflexão e refração é que o ângulo feito pelo feixe incidente com essa linha tracejada, q1, é igual ao ângulo feito com essa mesma linha pelo feixe refletido.

         Entretanto, o feixe refratado fará um ângulo diferente de q1. A lei que governa esse efeito é chama de lei de Snell e é bem conhecida dos estudantes do nível médio:

 

   ,                   (1)

 

onde n1 e n2 são os índices de refração do meio 1 e 2, respectivamente.

 

 

         Na figura 1 o feixe de luz refratado se aproxima da linha tracejada, ou seja, q2 é menor que q1. Isso significa que n2 é maior que n1 (veja a eq. (1)).

         Como regra, quanto mais denso um material, maior o índice de refração. Assim, o índice de refração da água é maior do que o do ar; o índice de refração de uma amostra de ar comprimido é maior do que o índice de refração de uma amostra de ar rarefeita. Vidros mais densos têm índices de refração maiores que vidros menos densos (e são melhores para a produção de lentes, pois podem ser mais finos). Plásticos são menos densos que o vidro e, portanto, têm índices de refração menores.

 

 

        Ângulo crítico

 

         Se o índice de refração do meio que a luz penetra é menor do que o índice de refração do meio do qual a luz veio, então q2 é maior que q1. Uma situação como essa é mostrada na figura 2.

 

 

Um fenômeno interessante ocorre quando o ângulo de incidência q1 é muito grande: a luz é totalmente refletida. Vamos ver isso examinando a eq. (1) escrita de uma forma um pouco diferente:

 

  .   (2)

 

Se n1>n2, então haverá um valor de senq1 tal que a equação (2) daria um valor superior a 1 para senq2, o que não pode ocorrer, pois o seno é no máximo igual a 1. Assim, se a incidência ocorrer segundo um ângulo q1 superior a certo valor limite, não haverá luz refratada: toda a luz será refletida. Esse ângulo limite é aquele para o qual senq2 é igual a 1. Usando novamente a eq. (2), vemos que esse ângulo limite, que chamaremos de qL, é dado por

 

 

   .        (3)

 

A figura 3 mostra essa situação.

 

 

         O que precisaremos saber para entender o efeito das miragens que fazem o solo quente parecer um lago – e as imagens dos carros distantes em uma estrada parecerem como que refletidos no asfalto quente – são os seguintes:

a) Quando a luz muda de meio, ela é refratada;

b) Se o meio no qual a luz penetra tem índice de refração menor que o meio do qual ela veio, n2<n1, a luz é refratada segundo um ângulo maior do que o ângulo incidente;

c) Se a incidência se der segundo um ângulo grande – o feixe de luz é quase rasante – toda a luz é refletida.

d) Como regra, quanto menos denso um material, menor o índice de refração, e isto vale também para o ar.

 

 

        Finalmente, a estrada quente

 

         Em um dia ensolarado, o asfalto de uma estrada pode ficar muito quente. Assim, as camadas de ar mais próximas ao solo ficam mais quentes e, portanto, menos densas, que as camadas de ar mais afastadas. Conseqüência: quanto mais perto do solo, menor o índice de refração do ar.

         Então, o que acontece quando um feixe de luz incide em direção ao asfalto? A figura (4) ilustra essa situação.

 

 

 

         Luz incide em um ângulo rasante (feixe 1 da figura 4); ao passar para uma camada mais quente, com n2<n1, a luz é refratada (feixe 2); mais abaixo, é novamente refratada (feixe 3), ficando cada vez mais rasante; , pois n2<n3; finalmente, quando o ângulo é muito rasante, há uma reflexão total.

         A figura 4 foi desenhada como se o ar se dividisse em camadas, cada uma delas a uma determinada temperatura. Na prática, o ar vai se esquentando constantemente na medida em que se aproxima do solo. Assim, a luz fará um percurso curvo, como o mostrado na figura 5. Um raio de luz que sai do capacete do piloto e dirige-se ao solo (raio 1), vai se encurvando para cima na medida em que se aproxima do chão, até que em um determinado ponto o ângulo de incidência é muito rasante e há reflexão total. Aí, esse raio segue em direção ao olho de uma pessoa. Claro que essa pessoa também vê um raio vindo diretamente do capacete do piloto (raio 2).

______________________________________________________________

______________________________________________________________

 

         Como uma pessoa que vê esses dois raios irá interpretar a situação? Ela vê ao mesmo tempo o carro e raios de luz que vêm do solo, também carregando a imagem de um carro. Nosso cérebro não está preparado para interpretar um raio de luz que fez uma curva. Assim, a interpretação é que esse raio veio em linha reta, “de baixo”, segundo a linha pontilhada de número 3 da figura 5, formando em nosso cérebro a imagem de um carro invertido. A pessoa poderá interpretar isso como se houvesse uma poça de água na região em que a linha pontilhada cruza com o asfalto – ou com o solo quente de um deserto. De fato o que aconteceu é que o raio de luz foi curvando-se paulatinamente e atingiu o olho da pessoa da mesma forma que faria se tivesse sido refletida por uma poça de água.

 

 

        Outras miragens

 

Navio fantasma

 

         A miragem da “poça de água” descrita acima é formada quando o ar se aquece na medida em que se aproxima do solo. Se ocorrer o inverso, a temperatura do ar crescer na medida em que a sua altura também cresce, forma-se uma miragem invertida em relação à anterior: nós vemos um objeto como que refletido nas camadas superiores do ar. A figura 6 ilustra isso.

 

 

         Uma embarcação, ao longe, no mar e uma pessoa sentada na praia. Essa pessoa verá a imagem direta do navio (raio 1) ao mesmo tempo que verá uma feixe de luz que, inicialmente indo para cima, faz uma curva e chega no olho do observador. Este, supondo que raios de luz andem em linha reta, interpretará isso como sendo de um navio invertido, no céu. Miragens como essa, nas quais a imagem aparece acima do objeto, são chamadas de miragens superiores.

         Imagine agora que entre o observador na praia e o navio haja alguma coisa que o impeça ver diretamente o navio, como uma ilha. Chegarão a seus olhos apenas a luz que seguiu o caminho curvo e que ele interpretará como havendo um navio no céu! Essa é, provavelmente, a origem da lenda dos navios fantasmas.

 

Fata Morgana, fantasmas....

 

         Efeitos atmosféricos produzem imagens, ou melhor, miragens, que podem assustar qualquer um que não esteja preparado para analisá-las. Quanto mais raras – e, portanto, mais difíceis de serem observadas por pessoas que as possam interpretar corretamente – mais espantosas devem ser as imagens. Castelos ou colunas que crescem no horizonte são relativamente comuns – embora muito menos comuns que as miragens do asfalto quente – e têm servido para criar histórias fantasmagóricas. A miragem “Fada Morgana” é formada quando camadas de ar fria e quente se alternam, formando, no horizonte, imagens invertidas e direitas de um mesmo objeto, que se juntam, dando a impressão de um castelo ao longe. No endereço “http://www.thulebageren.dk/gallery/fata%20morgana.htm há ume bela foto de miragem desse tipo.

         Além das miragens, há muitos outros fenômenos luminosos relacionados à atmosfera, como o fogo de Sant’elmo ou bolas de luz, que se formam em tempestades. O nascer e por do Sol pode provocar efeitos luminosos interessantes, bonitos e raros. Provavelmente, muitos desses efeitos luminosos, do tipo miragem ou não, deram origem a lendas e superstições.