Passa-tempos para viajantes

 

         Às vezes algumas viagens são muito agradáveis e interessantes: podemos procurar miragens na estrada, admirar a paisagem, ouvir música, conversar, etc. Mas, outras vezes, elas são monótonas. Então, aqui vão algumas sugestões de como quebrar a monotonia.

 

 

        Como estimar a velocidade de um carro que nos ultrapassa?

 

         Às vezes um carro nos ultrapassa a alta velocidade e ficamos curiosos para saber quão depressa ele estava. Aqui vai uma sugestão.

         No momento em que o carro a alta velocidade o ultrapassa, comece a contar o tempo. E você não precisa de um cronômetro para isso: basta começar a contar de forma regular, um, dois, três.... Quando chegar a dez, observe onde o outro veículo está: você pode fazer isso observando uma placa, uma árvore, uma sombra, ou qualquer outra coisa que sirva como uma referência fácil e que, se você estiver dirigindo, não tire sua atenção da estrada. Mas não pare de contar: onze, doze, treze·· N. Quando o veículo em que você está passar por aquela referência que você marcou, basta multiplicar a velocidade do seu veículo pelo número que você chegou dividido por dez:

 

   (1) .

 

Essa será a velocidade do outro carro. Por exemplo, se você chegou a 13 e a velocidade do carro em que está é de 100 km/h, então a velocidade do outro carro será de 130 km/h.

         Deduzir a fórmula acima é muito simples. O seu veículo e o outro veículo andaram exatamente a mesma distância desde que você começou a contar até que você chegou no ponto de referência. Só que o seu veículo percorreu essa distância num tempo N/10 maior. Portanto, a velocidade do outro veículo é N/10 maior que a do seu.

         Algumas vezes, quando faço isso em estradas, o veículo que ultrapassa está tão rápido que nem espero o dez para determinar o ponto de referência, pois ele já teria desaparecido em um a curva ou estaria muito distante para observar com detalhe uma boa marca. Nesse caso, marco a referência no 5!

 

        E qual a sua velocidade?

 

         Você pode verificar se o velocímetro de seu carro está bem ajustado de uma forma simples. Se você medir o tempo em segundos entre duas marcas sucessivas de quilometragem na estrada (geralmente essas marcas são colocadas a cada quilômetro) a velocidade de seu veículo será de

 

   (2) .

 

Por exemplo, se t for de 60 s, a velocidade será de 60 km/h; se for 40 s, será 90 km/h, etc. A dedução a equação 2 é fácil...basta papel e caneta. Apenas um cuidado: nem sempre as marcas são colocadas a exatamente um quilômetro umas das outras. Por isso, faça o cálculo algumas vezes e tire uma média.

         Você pode achar que dividir 3600 por algum número é uma tarefa que exige, pelo menos, papel e lápis. Mas, não. Por sorte 3600 é divisível por vários números inteiros, como 60 (e neste caso a velocidade será de 60 km/h), 45 (e a velocidade será de 80 km/h), 40 (velocidade de 90 km/h), 36 (100 km/h), 30 (120 km/h), etc.

 

 

        Para onde vai a energia cinética numa freada?

 

         Você está em um carro a 100 km/h. De repente o carro é freado, sem que os pneus derrapem, até parar. O que foi feito da energia cinética do carro?

         A 100 km/h, ou cerca de 28 m/s, a energia cinética de um carro cuja massa total, incluindo passageiros e bagagem, é de 1.000 kg é

 

  .   (3)

 

Quando se freia um carro, essa energia vai sendo reduzida por causa do atrito entre as pastilhas de um freio a disco e o próprio disco (ou a lona e o tambor, em um freio a tambor), até se anular, quando o carro está parado.

         Suponha um carro que esteja equipado com freios a disco nas quatro rodas e cuja massa total daquilo que vai esquentar (basicamente o disco) seja da ordem de 5 kg (os freios a tambor são bem mais pesados). Neste caso, quando toda a energia cinética for transferida para o disco, aquecendo-o, a variação de temperatura será de

 

   ,   (4)

 

onde m é a massa total (5 kg) e c o calor específico do material de que é feito o disco. Se o calor específico for da ordem de 0,2 cal/g≈800 J/kg, então o aumento de temperatura dos discos (num total de 5 kg) será de aproximadamente 100ºC.

         Conclusão prática: logo depois de parar, evite tocar nos discos de um freio a disco, pois eles estarão muito quentes. Claro que após algum tempo ele se esfriará, por irradiação e por condução para outras peças ou para o ar a sua volta. Inclusive, a rapidez com que os discos de um freio a disco se esfria é muito importante para o seu bom desempenho.

 

 

        E a energia potencial?

 

         Suponha que você esteja descendo uma grande ladeira, com um desnível total de 500 m (isso existe: as rodovias que ligam São Paulo ao litoral santista) e “segure” o carro apenas no freio. A energia potencial total será paulatinamente transferida para os discos do freio, esquentando-os. A variação total de energia potencial de um carro de 1000 kg será de 5 milhões de jaules! Usando os mesmos valores anteriores para a massa e o calor específico dos disco do freio, a temperatura aumentaria de cerca de 1250 º C! Felizmente, isso não ocorre por que os sistema de freio vão perdendo energia ao longo do tempo. Entretanto, não é raro encontrar veículos, principalmente caminhões e ônibus, com superaquecimento do sistema de freios depois de uma longa descida. Isso ocorre se o motorista não usar o motor, além do sistema de freios, para segurar o veículo, mantendo engatada uma marcha reduzida e o motor em funcionamento.

 

 

        A potência de um carro

 

         A energia produzida pelo motor de um carro é usada para acelerá-lo, é gasta em atritos internos e também para “empurrar” o ar à sua frente. Este último efeito é bastante complexo, pois o tipo de movimento que o ar empurrado pelo carro fará depende da forma do carro e de sua velocidade. Entretanto, para velocidade típicas dos carros, a força que o carro deve fazer contra o ar, para deslocá-lo, é dada por

 

   ,   (5)

 

onde A é a área do carro quando visto de frente, r é a densidade do ar, v a velocidade do carro e C um fator que depende da “aerodinâmica” do carro. Esse termo é chamado de “coeficiente de arrasto” e, para carros, da ordem de 0,2 a 0,3. Os desenhistas de carros devem tomar cuidado com sua forma para evitar coeficientes de arrasto muito elevados.

         Como potência é a taxa temporal com que se realiza trabalho e trabalho é força vezes distância, então a potência necessária para atravessar o ar é o produto da eq. (5) pela velocidade:

 

   .   (6)

 

A tabela abaixo mostra a potência necessária para atravessar o ar a diferentes velocidades para um carro com coeficiente de arrasto de 0,25 e área frontal de 2,0 m2. (Os valores da tabela estão arredondados; a densidade do ar foi aproximada por 1,0 kg/m3.)

 

Velocidade

Potência

Velocidade

Potência

60 km/h

1200 W

100 km/h

5400 W

80 km/h

2700 W

120 km/h

9300 W

 

         Você pode transforma essas potências em HP sabendo que 1 HP=740 W. Você também pode perceber por que uma viagem a alta velocidade gasta mais combustível do que uma viagem a velocidade mais baixa. (Claro que além do trabalho feito para empurrar o ar há atritos internos do motor e do sistema de transmissão que também aumentam com o aumento da velocidade.)

         Um amigo fez o seguinte observação com seu carro. A 60 km/h (16,7 m/s), em uma estrada plana, ele colocou o carro em ponto-morto e deixou rodar livremente por 500 m, sendo freado basicamente pela resistência do ar. Após esse percurso o carro estava a 50 km/h (13,9 m/s). Considerando a velocidade média do carro, o percurso de 500 m demorou cerca de 33 s. Para um carro de 700 kg (essa é a massa do carro testado), a variação de energia cinética foi de 30·103 J, o que equivale a uma potência de aproximadamente 900 W. Pela equação 6 a previsão é de uma potência média de 890 W, o que mostra que ela, a eq. 6, está suficientemente adequada para cálculos simplificados.

 

 

Outros passa-tempos

 

        Observações da paisagem

 

         Uma coisa curiosa em dias quentes e ensolarados é a formação de miragens: um veículo à frente parece como que refletido no chão, como se houvesse uma poça de água. A explicação dessa e de outras miragens pode ser vista no texto “Miragens”.

         Outra observação interessante é de montanhas ao longe. Se você olhar uma cadeia de montanhas, aquelas mais distantes parecerão mais claras que as mais próximas. Isso ocorre por causa da luminosidade do ar. Entre você e as montanhas mais distantes há mais ar do que até as montanhas mais próximas. No ar não existe apenas nitrogênio, oxigênio e alguns outros gases, mas também gotículas de água e partículas em suspensão, que espalham a luz solar. Assim, quanto mais distante a montanha, mais partículas existirão e, portanto, mais luz será espalhada por elas. Esse brilho do ar entre você e as montanhas fará com que aquelas mais distantes pareçam mais claras. Com algum treino é possível até mesmo estimar a distância da montanha pela luminosidade do ar.

 

 

        Um quebra-cabeça automobilístico

 

         Uma pessoa saiu de uma cidade A às 7:00 h da manhã, dirigindo-se a uma cidade B. Essa sua viagem foi feita com velocidade variável e eventuais paradas. Alguns dias depois ela voltou para a cidade A, saindo da cidade B também às 7:00 h da manhã, novamente com velocidade variável, paradas, etc. Será que ela passou por um mesmo ponto da estrada, tanto na ida como na volta, exatamente no mesmo horário?

         O desenho abaixo tem a única finalidade de afastar a pergunta da resposta...

        

 

         Uma das maneiras de responder a essa questão é pensar que no exato momento que o viajante sai da cidade A, outro viajante sai da cidade B. Quando esses dois viajantes se cruzarem, eles estarão no mesmo ponto da estrada e no mesmo instante. O fato do problema se referir à volta alguns dias depois é irrelevante, pois a pergunta se refere apenas ao horário marcado num relógio.

         Outra maneira é usar gráficos, como o da figura 2.

 

 

Na parte da esquerda da figura 2 está o gráfico representando a viagem de ida, com saída da cidade A às 7:00 h e chegada em B. Na parte da direita está o gráfico da volta. Obviamente, existe um ponto em que tanto a posição (eixo das ordenadas) como o tempo (eixo das abscissas) coincidem nos dois gráfico. Para ver isso melhor, veja a figura 3. Nesta figura os gráficos da ida e da volta foram superpostos. O ponto em que ambas as curvas se cruzam tem exatamente a mesma posição e o mesmo instante de tempo marcado num relógio.

 

 

        Um quebra-cabeça automobilístico

 

         Há um interessante problema que pode ser resolvido estendendo-se o raciocínio feito para mostrar que haverá um certo ponto na estrada em que o viajante passou exatamente no mesmo horário.

         Pegue uma folha de papel amassado e coloque-a sobre uma mesa. Em seguida, pegue a folha, amasse-a sem rasgar, e coloque-a novamente sobre a mesa, mas dentro do limite que ela estava antes de amassar. (Veja a figura 4.)

 

 

Haverá pelo menos um ponto do papel amassado que estará exatamente sobre o local em que estava antes de ser amassado.

         Há ainda uma versão tridimensional do problema. Pegue um objeto deformável, como uma bucha de cozinha que tem a forma de um paralelepípedo. Deforme-a sem romper e coloque-a novamente no local em que estava. Pelo menos um ponto da bucha estará exatamente no mesmo local em que estava antes de ser deformada.