Por que algumas coisas quando molhadas ficam mais escuras?

 

         Deixe cair uma gota de água em um chão de cimento, ou em um pedaço de madeira, ou em um tecido que absorva água. Você perceberá que a região molhada ficará mais escura. Por que algumas coisas ficam mais escuras quando estão molhadas?

 

         Além desse curioso e interessante efeito, há muitos outros efeitos ópticos em nosso dia-a-dia que são, também, bastante interessantes. O céu é azul, mas ao entardecer pode ficar vermelho ou amarelo. Em uma estrada de asfalto em um dia muito quente podemos ver um veículo distante como se estivesse refletido no chão, uma miragem muito comum e bastante explorada em histórias em quadrinhos. O arco-íris é um belo efeito colorido que pode surgir quando há chuva e sol ou quando aspergimos água com uma mangueira de jardim. As montanhas ao longe são esbranquiçadas, tão mais esbranquiçadas quanto mais longe estão. Em um dia ensolarado, as manchas de luz no chão, produzidas pelo Sol quando sua luz atravessa as folhagens de uma árvore, são, muitas vezes, arredondadas, quase circulares... Há muitos outros efeitos ópticos interessantes e úteis em nosso dia-a-dia que podemos explorar.

         Mas aqui ficaremos apenas com o efeito com que faz com que algumas superfícies molhadas fiquem mais escuras.

 

 

        Nada é totalmente transparente

 

         Quando a luz incide em uma janela de vidro, por mais limpa que esta esteja, uma pequena parte é refletida. Essa reflexão é mais intensa quando a incidência da luz se dá a um ângulo rasante e menos intensa se ela ocorre perpendicularmente ao vidro.

Essa reflexão não ocorre apenas no vidro. Sempre que luz propagando-se em um meio atravessa a superfície que o separa de outro meio, alguma quantidade de luz será refletida. A intensidade da reflexão depende dos índices de refração dos dois meios, do ângulo de incidência e de algumas características da luz incidente (cor e polarização). A intensidade da luz refletida quando a incidência ocorre a 90º é dada por

 

          ..,

 

onde n1 e n2 são os índices de refração do meio de onde vem a luz e do meio em que a luz incide. Assim, se esses dois índices de refração não são iguais, uma parte da luz incidente será refletida de volta.

 

         Um exemplo. O índice de refração do ar é aproximadamente igual a 1. O índice de refração do vidro depende de sua composição química e também do comprimento de onda (cor) da luz incidente, podendo variar entre 1,4 e 1,7, aproximadamente; mas para fazermos algumas estimativas, vamos supor um valor igual a 1,5. Usando a equação acima temos

 

 

ou seja, 4% da intensidade luminosa incidente a 90º é refletida na primeira face do vidro. A luz que penetrou no vidro, os 96% restantes, ao atingir a outra face será refletida em 4%, o que corresponde a 3,8% do total. Essa luz refletida na segunda face volta e 96% dela atravessa a primeira face. Assim, 96% de 3,8%, o que corresponde a 3,7% do total, volta para o meio inicial, o ar. A partir daí novas reflexões internas são desprezíveis. Como conseqüência, 7,8% da luz inicialmente incidente no vidro voltará. Portanto, não culpe ninguém por limpar mal o vidro de sua janela e não deixá-lo totalmente transparente: isso é impossível.

 

 

 

 

         Epa! Mas se a intensidade da luz refletida é dada pela equação acima, então se n1=n2 a reflexão será nula e o título desta seção está errado! Certo, o título está errado. Mas como nenhum material sólido tem índice de refração igual ao do ar, este é um erro justificável: o título correto talvez devesse ser “Nenhum material sólido ou líquido é totalmente transparente quando está no ar”.

Aproveitando que estamos falando de coisas transparentes, se o Homem Invisível é mesmo invisível, qual seu índice de refração? E ele seria invisível em uma piscina?

 

 

        Mas, e a pergunta original? Por que coisas molhadas são mais escuras que coisas secas?

 

         A intensidade da luz incidente em uma superfície e que volta após uma ou sucessivas reflexões depende da diferença entre o índice de refração dos dois meios. O que aconteceria então se a placa de vidro do exemplo anterior estivesse mergulhada na água?

Vamos examinar esse caso, mas, além disso, devemos considerar que muitos meios não deixam a luz atravessá-lo sem que haja alguma absorção pelas diversas partículas que o compõem como, por exemplo, irregularidades e impurezas do vidro, partículas suspensas na água, pigmentos de cor em um tecido, partículas de poeira ou gotículas de água no ar, etc. Assim, enquanto a luz se propaga no meio ela vai também sendo absorvida e é isso que dá cores às diversas coisas, pois essa absorção não é igual para todos os comprimentos de onda.

 

 

         A figura acima mostra uma placa de vidro mergulhada em água. O índice de refração da água é aproximadamente 1,33. Assim, usando a equação inicial, quando luz vindo do ar incide na água 98% é transmitido e 2% e refletido; quando luz que se propagando na água (ou no vidro) incide no vidro (ou na água), 99,6% é transmitida e 0,36% é refletida. No lugar de descrever aqui todas as reflexões e transmissões, elas são representadas na figura a partir de uma intensidade inicial igual a 100. (Na figura não são representados os processos que levam a intensidades desprezíveis de luz que retornam ao ar.) Assim, 2% da luz incidente volta como conseqüência de uma reflexão simples na primeira superfície. Após outras reflexões e transmissões, constatamos que pouco mais do que 4% de toda a luz incidente retorna. Ou seja, apenas um pouco mais do que a metade do que retorna quando o vidro não está mergulhado em água.

        Mas, e a pergunta original? Ainda não está respondida!!

 

         Verdade. Então vamos lá. Imagine uma superfície de areia seca na praia. Cada grão de areia é como o vidro, parte da luz o atravessa e parte é refletida. Mas a luz que entra no grão de areia é parcialmente absorvida pelos diversos materiais que a compõem. O que acontece, então, é uma sucessão de reflexões e transmissões, com a luz penetrando diferentes grãos de areia a diferentes profundidades e sendo parcialmente absorvida ao longo desse “passeio”. Em todos os casos, cada vez que a luz incide em um grão, ela será mais refletida se houver ar entre os grãos de areia do que se houver água. Com água entre os grãos de areia, todas as reflexões serão menos intensas do que com ar e a luz entrará mais profundamente. E quanto mais profundamente a luz penetra na areia, maior é a absorção.

Esse efeito ocorre com todos os materiais que podem ser molhados, ou seja, que permitem que a água penetre entre suas partículas, como a terra, o cimento molhado, pigmentos de tinta, as fibras de um pedaço de papel ou tecido, etc. Conclusão: areia e outras coisas molhadas são mais escuras.

 

 

        

        Conclusão útil

 

         Coisas molhadas são, usualmente, mais escuras, quando as observamos sob iluminação, pois a luz penetra mais facilmente do que quando secas. Areia, papel, cimento, terra, etc, têm essa propriedade.

Mas, se a luz penetra mais profundamente em coisas molhadas, então elas podem ser mais transparentes ou translúcidas do que quando secas? Sim. Pegue um pedaço de papel de cozinha (ou guardanapo de papel, ou papel de enxugar a mão) e, observando contra uma fonte de luz, note que, se molhado, mais luz o atravessa.

O mesmo ocorre com tecidos: se molhados, ficam mais escuros quando são observados sob a luz ... mas ficam também mais transparentes, o que, constrangedoramente, ocorre quando se mergulha na água com um tecido inadequado.