Consumo de energia no corpo humano
O consumo de energia
por uma pessoa adulta– na forma de alimentos – é de aproximadamente 2.000 kcal[i] por
dia. Pelo menos é esse valor que aparece escrito nas embalagens de alimento. Uma
pessoa que pratique atletismo, outro esporte exigente, ou faça trabalho pesado
deve consumir bem mais do que isso: umas 4 horas de atividade pesada por dia,
como natação, trabalho na agricultura, ou alpinismo pode fazer com que uma
pessoa precise comer duas vezes mais do que comeria na ausência dessas
atividades. Já crianças ou pessoas de idade avançada e com pouca atividade
física consomem bem menos. Em geral, mulheres consomem um pouco menos de
energia do que homens. Entretanto, lactantes e grávidas podem precisar de
alguma coisa como 300 kcal a 500 kcal a mais por dia para que possam dar
conta das exigências adicionais a que estão submetidas. O valor “usual” de 2000 kcal/dia
é bastante típico para grande parte dos adultos em atividades também “usuais”.
Essa energia é usada
para manter nosso organismo em funcionamento, como coração, pulmões e os demais
órgãos internos, e também para fornecer alguma capacidade de trabalho externo
que é feito durante praticamente todo o dia. Em condições de repouso, cerca de
30% da energia é consumida pelos músculos esqueléticos e praticamente outro
tanto é consumida pelos órgãos abdominais. Em repouso o cérebro consome cerca
de 20% e o coração 10% da energia total consumida pelo corpo.
É interessante
verificar que nosso corpo tem uma eficiência relativamente alta quando faz
trabalho mecânico, mas está longe se ser totalmente eficiente. Assim, apenas
cerca da décima parte da energia consumida pelo coração corresponde à energia
necessária para empurrar o sangue; o restante é gasto de energia que não se traduz
em movimento mecânico de coisa alguma.
Energia e potência
Às vezes, olhar uma
mesma coisa de outro ponto de vista pode nos mostrar algo que, de outra forma,
passaria desapercebida. Vamos aqui transformar a energia consumida pelo corpo
em um dia em potência e, no caso, medida em watts (W)[iii].
Primeiro vamos transformar aquelas 2.000 kcal consumida
durante todo o dia em joules (1j=4,18 cal):
.
Para calcular a potência em W precisamos dividir essa
energia pelo número de segundos em um dia:
.
Aí está: produzimos e consumimos, em atividade normal, aproximadamente 100 W
de potência, o equivalente ao consumo de eletricidade de uma lâmpada de uso
caseiro. Se o coração é responsável pelo gasto de cerca de 10% da energia que
consumimos, então ele consome cerca de 10 W; o cérebro, que nos “custa”
20% da energia, consome estão cerca de 20 W. (Atenção! Todos esses valores
são aproximados, pois tanto as contas feitas foram aproximadas, como as
informações usadas podem depender de pessoas para pessoa.)
Se a potência média
consumida é de 100 W, isso quer dizer que temos capacidade suficiente para
manter uma lâmpada acesa, girando a manivela de um gerador de eletricidade, e
conseguir iluminar uma sala em caso de falta de energia? Sim, mas por pouco
tempo e apenas uma pessoa bem treinada consegue fazer isso por alguns minutos.
Vamos fazer algumas contas para estimar a capacidade de produção de energia
externa de uma pessoa.
Potência é trabalho por
unidade de tempo. Vamos fazer alguns cálculos para determinar com que
velocidade uma pessoa de 80 kg deve subir uma escada para que a potência
mecânica dissipada pelo corpo seja de 100 W:
,
onde DE é a energia mecânica (variação da
energia potencial do corpo) no intervalo de tempo Dt. Se aquela pessoa de
80 kg sobe uma altura Dx, então a variação de
energia mecânica será , onde g é a
aceleração gravitacional, que vamos aproximar por 10m/s2.
Para que essa energia seja de 100j em um segundo (100 W),
então a cada segundo ela deverá subir 0,15m, aproximadamente um degrau
de escada por segundo. Nos primeiros segundos, será fácil. Muitos aguentarão
fazer isso por alguns minutos. Mas manter esse esforço por um tempo mais
prolongado já depende de um razoável preparo físico. Assim, não é uma boa ideia
trocar a conta de eletricidade por um gerador elétrico a ser acionado por um
pedal ou uma manivela.
Energia nos alimentos
A energia que
consumimos vem dos alimentos que ingerimos. Quando no rótulo de um determinado
alimento está escrito alguma coisa do tipo “cada 100 g deste
produto contém 400 kcal”, quer dizer que ao digerirmos esse
alimento nosso organismo será capaz de produzir 400 kcal.
Se você souber do que é composto um alimento, é fácil calcular quanto de
energia ele é capaz de nos oferecer. Por exemplo, um grama de carboidrato (o
elemento energético contido no trigo, no arroz, na batata, no açúcar, etc) ou
de proteína contém cerca de 4 kcal. Já um grama de gordura contém
bem mais que isso, cerca de 9 kcal. Para conseguirmos as 2.000 kcal que
gastamos durante o dia precisamos consumir cerca de 500 g de carboidrato
ou a metade disso em gordura ou uma saudável (e de preferência apetitosa)
mistura dessas coisas.
É fácil determinar a
quantidade de energia contida em cada grama de um alimento: basta queimá-lo e
medir o quanto de energia ele produziu. E para fazer isso basta medir o quanto
uma certa quantidade de água, submetida à chama provocada pelo alimento ao se
queimar, se aqueceu[iv].
É um pouco difícil queimar arroz ou feijão e aquecer água com a chama
produzida. Para fazer isso você precisaria de uma atmosfera enriquecida em
oxigênio. Com batata seria ainda mais difícil, porque a sua maior parte é água
e esta precisaria ser eliminada antes de queimar. Mas com amendoim, castanha de
caju ou outra coisa bastante gordurosa a coisa se torna mais fácil. Acendendo
uma castanha de caju – isso mesmo, acendendo segurando-a com uma pinça ou
alicate – e, com a chama produzida, aqucendo um pouco de água, pode-se medir a
variação da temperatura da água depois que a castanha foi completamente
queimada é possível determinar a quantidade de energia liberada. É essa mesma
energia que a castanha nos fornece se for ingerida.
Eficiência mecânica
do corpo humano
Quando estamos em
repouso ou em um nível de atividade bem baixo, quase toda a energia que
consumimos é usada para manter nosso organismo em funcionamento, que
corresponde a uma potência de aproximadamente 80 W. Ou seja, quase
nada é gasto como “trabalho externo”, ou seja, trabalho mecânico. No dia-a-dia
precisamos de uns 100 W, para garantir o funcionamento normal do
corpo e mais alguma energia para o trabalho mecânico que fazemos nas atividades
usuais: andar, levantar e sentar, subir escadas, etc. Entretanto, quando
corremos, nadamos, trabalhamos duro, etc, uma parte da energia que consumimos é
usada para fazer um trabalho externo adicional: ao andarmos temos que fazer
nosso corpo subir contra a aceleração da gravidade, a cada passo que damos; ao
nadarmos, temos que empurrar a água que está à nossa frente; se corremos, temos
que empurrar o ar que está à nossa frente e ainda elevar nosso corpo a cada
passo; se transportamos tijolos escada acima o trabalho mecânico é transformado
em energia potencial dos tijolos. Que parte da energia química que conseguimos
dos alimentos pode ser transformada em energia mecânica? Ou, em outras
palavras, qual a eficiência do corpo humana para realizar trabalho?
Isso depende do nível
de atividade, do tipo de atividade física (levantar pesos, andar de bicicleta
ou correr) e também varia de pessoa para pessoa. Alguém que passa o final de
semana em uma espreguiçadeira e a única coisa que faz é levantar duas ou três
vezes para conseguir alguma coisa para comer, uma pequeníssima parte da energia
consumida é gasta na forma de trabalho contra uma força externa, no caso a
força gravitacional ou da porta da geladeira. Entretanto, um atleta bem
treinado pode conseguir transformar uma boa parte da energia química ingerida
em trabalho externo. Uma eficiência de 20% a 30% de transformação de energia
química dos alimentos em energia trabalho mecânico (conseguido a partir da
contração de músculos) é possível.
Considere um atleta de
80 kg que passa cerca de 4 horas do dia em atividade “dura”,
por exemplo, subindo uma escada a uma taxa de 0,25 m/s (acho que só um excelente
atleta consegue isso). Nas quatro horas de exercício ele estará dissipando uma
potência mecânica de[v]
.
O trabalho feito nessas quatro horas é então .Com uma eficiência de 25%,
esse atleta deverá gastar cerca de 2.800 kcal. E ele terá que se
alimentar para conseguir esse adicional de energia. Por exemplo, ele pode comer
700 g de carboidrato: um belo prato de arroz com feijão, uma
macarronada ou uma pizza só para ele.
Refrigerando o corpo
A energia produzida internamente em nosso corpo ou virará energia
mecânica externa – empurrar a água de uma piscina, aumentar a energia potencial
de tijolos ou de nosso corpo, etc. – ou servirá para aquecer-nos. Mas nós não
podemos deixar que o corpo se aqueça muito além dos 370C. Para isso,
temos que resfriá-lo[vi],
pois uma temperatura excessiva prejudica o controle motor, o desempenho de um
atleta e pode levar, em casos extremos, à morte.
Se produzimos internamente cerca de 100 W, precisamos eliminar
exatamente 100 W para que a temperatura do corpo não se altere. O corpo
humano, e dos demais animais, tem algumas formas de refrigeração: irradiação,
aquecimento do ar próximo à pele – e esse ar se vai, sendo substituído por
outro mais frio – e evaporação de água. (O camelo usa ainda um truque muito
especial antes de começar a evaporar água – tão preciosa em seu habitat.) Note
que mesmo em dias ou regiões frias precisamos eliminar os 100 W: as roupas
grossas são necessárias para que eliminemos apenas esses 100 W, não mais,
o que faria com que a temperatura do corpo ficasse demasiadamente baixa. Se
estamos em atividade física, a potência dissipada é maior e, portanto, a
necessidade de refrigeração também é maior.
Por irradiação e sem roupa nenhuma, perdemos cerca de 10 W para
cada OC de diferença de temperatura entre nossa pele e o
ambiente. Por aquecimento do ar e sob um vento de aproximadamente 1 m/s,
perdemos mais 10 W, também para cada grau de temperatura de diferença
entre a pele e o ar. Por evaporação – do suor ou da água no sistema
respiratório de alguns animais, como de um cachorro ofegante – perde-se mais do
que 500 cal para cada grama de água evaporada. (De fato, são
necessárias 540 cal para
evaporar um grama de água a100 oC; mas na temperatura da nossa
pele, cada grama evaporada carrega 580 cal,
uma sutileza que vamos deixar para lá.)
Por exemplo, com a pele a cerca de 34OC você se sentirá
confortável em uma noite na praia, com pouco roupa e com uma brisa de 1 m/s,
se a temperatura do ar for de aproximadamente 290C; acima
disso, você sentirá calor e abaixo disso, frio. Entretanto, vestido e em um
ambiente fechado, sentimos calor a 290C e, provavelmente,
começaremos a suar, pois os mecanismos de irradiação e de aquecimento do ar
próximo à pele não são suficientes para eliminar os 100 W que
produzimos.
Ao nadar, a perda de energia pelo corpo é da ordem de 50 W para
cada grau célsius de diferença entre a nossa pele e a água, desde que esta
esteja abaixo de 300C. Considere então um atleta que nade em
uma piscina a 200C. Como a temperatura da pele pode cair a cerca de
300C quando estamos na água[1],
esse atleta perderá cerca de 500 W. Essa energia perdida servirá
para resfriar o corpo, pois ao nadar produzimos uma grande quantidade de
energia que, se não eliminada, esquentaria o corpo.
E os outros animais?
Quanto os outros
mamíferos consomem de energia por dia em situações normais (sem grande
esforço)? Há uma “lei de escala” que permite avaliar as necessidades
energéticas dos diferentes animais. Vamos descobrir essa lei de escala.
Primeiro, a necessidade energética deve ser proporcional à massa do animal:
quanto maior um animal maior será seu sistema circulatório; seu peso a ser
sustentado pelos músculos, etc. Assim, poderíamos desconfiar que o consumo de
energia cresce com a massa do animal,
.
(Esse sinalzinho quer dizer
“proporcional a”.)
Mas, por outro lado, todo o animal deve resfriar seu corpo e os
principais mecanismos de refrigeração ocorrem pela superfície do corpo: nossa
pele. Essa superfície é proporcional ao quadrado da dimensão do animal, digamos l.
Como a massa é proporcional ao cubo da dimensão do animal, , concluímos que a capacidade
de refrigeração será proporcional à m2/3.
Muitos pesquisadores estudaram cuidadosamente a dependência do consumo
de energia com a massa do animal e concluíram que o expoente não é 2/3, mas,
sim, 3/4, e o fator de proporcionalidade é aproximadamente 4 quando a massa é
dada em kg e a potência em W:
.
Se você preferir calcular o consumo de energia em calorias por dia, a
fórmula é
.
Exemplos: um animal de
100g (0,1 kg), consome aproximadamente 0,7 W ou cerca de
15 kcal/dia; um animal de uma tonelada consumirá cerca de 700 W.
[1] Para evitar uma perda excessiva de energia
quando estamos na água fria, a circulação sanguínea superficial é reduzida para
esfriar a pele. Assim, a temperatura da pele pode cair a cerca de 300C na
água fria.
[i] Um milhar de unidades é abreviado por um “k”
antes da unidade principal, assim, 1 km são mil metros, 1 kj são mil joules, 1
kcal são mil calorias, etc. Uma caloria equivale a 4,18 j (joules), que é a
unidade de energia no sistema internacional de unidades, SI. Algumas outras
unidades de energia são o kW.h, usado para medir o consumo de energia elétrica,
o erg, unidade do sistema c.g.s. (centímetro, grama, segundo; 1 erg=10-7j).
Outras unidades de energia também usadas são o eV (a energia ganha ou perdida
por uma carga igual à de um elétron ao sofrer uma diferença de potencial 1 volt).
[ii] Uma caloria equivale a 4,18 j (joules), que é
a unidade de energia no sistema internacional de unidades, SI. Outras unidades
de energia são o kW.h, usado para medir o consumo de energia elétrica, o erg,
unidade do sistema c.g.s. (centímetro, grama, segundo; 1 erg=10-7j).
Outras unidades de energia também usadas são o eV (a energia ganha ou perdida
por uma carga igual à de um elétron ao sofrer uma diferença de potencial de e o
ft.lb. 1V), o Btu
[iii] Potência é energia dividida pelo tempo em que
esta é gasta.
[iv] Lembre que 1 cal é a quantidade de
energia necessária para aquecer um grama de água de 14,50C a 15,50C.
[v] Potência é a taxa com que realizamos
trabalho, ou seja, trabalho por unidade de tempo. Mais diretamente, pode ser
calculada pelo produto da força pela velocidade. Assim, o atleta em questão faz
uma força de mg, onde m é sua massa e g a aceleração da gravidade, a uma
velocidade vertical de 0,25m/.
[vi] . Note que a produção de energia em nosso
corpo não é nada mal: cerca de 1,5 W por kg. Compare-se com o Sol: ele, o Sol,
produz cerca de 4×1026 W, bem mais do que
qualquer um de nos! Mas a massa do Sol é de 2×1030 kg,
o que resulta em uma produção de apenas 0,0002 W/kg, bem menos do que
qualquer um de nós!